Praquê escrever?

Porque a vida engravidou-me de fantasias que me exigem forma, cadência e letra e vírgula, reclamam coragem.

Mas que farão estes meus foragidos se os parir? Vão chorar e fazer os outros chorar, sorrir enquanto brincam no parque? E nós? Seremos os pais no banco de jardim, unidos pelo terror d'o que será deles quando partirmos?

E os que eu maltratar em mim com o fogo do Inferno, quando bêbado de dor os sonhar?

Enjeitados, Grotescos, Quimeras enxertadas e malparidas que vou esconder por vergonha do que pensem de mim.

Eu tão rico e bom e criativo e incapaz de mácula. Essas abjectas criaturas só poderão ser um engano que a luz do dia desinfectaria da memória. Um saco como se faz aos gatinhos e atirá-los ao rio? Ou vão-me dar tanta raiva estas chagas, estes lembretes do fracasso que vou querer eu mesmo atirar-me ao seu pescoço e apertar até se esvairem em tinta?

Mas e os meus amores? Os meus meninos.

Os preciosos pedaços de mim que eu dei em luz, bons demais para este mundo e o outro, hão-de ir à tropa. Armados apenas da fragilidade e boas intenções que lhes dei.

Hão-de conhecer os horrores da guerra, da violência da opinião dos outros e se capturados, julgados e condenados. Antes vê-los todos pendurados de ventre aberto do que dar ouvidos a terroristas.

Pecados do pai.

Os que sobreviverem regressarão mutilados ao meu regaço e hão-de crescer comigo e em mim.

Mas todos eles voltarão, de uma forma ou outra, em dias de lembrança. De desejo mórbido em desenterrar cadáveres a meio da noite por vaidade ou castigo. E eu, já velho à lareira, hei-de encará-los e reconhecer-me nos seus olhos.

Que farei comigo aí?

Sentirei orgulho, mesmo das feridas não fechadas ou só fracasso porque não dei a uns o que dei a outros? Porque não acreditei neles nem em mim, e uns cresceram e tornaram-se doutores e outros vivem vadios de esmola, carentes de atenção, esquecidos...

De todos eles, e os fantasmas?

Os que nunca vou parir por medo que quando cresçam se tornem o Medo e me engulam inteiro.

Praquê escrever?

Praquê ter filhos?